quinta-feira, 28 de maio de 2009

Fora das pistas: o suor convertido em segundos

Pilotos de Fórmula 1 têm de manter seus incríveis níveis de forma física durante os períodos entre as temporadas tanto quanto durante as mesmas. Mas por que a forma física é tão importante para um piloto de F1? Com a palavra, Mike Collier, fisioterapeuta de Jenson Button.

“Há três ou quatro fatores que exigem que os pilotos de F1 tenham uma boa forma física para agir em condições extremas”, explica Mike. “Por exemplo, as demandas sobre o piloto do calor e do estresse de guiar são enormes. Há também as demandas da temporada como um todo que, combinadas com as viagens, as aparições comerciais e eventos de patrocinadores, podem ser realmente exaustivas.

Nick Heidfeld

Os pilotos precisam de tempo para recuperar, mas a capacidade de lidar com tudo isso depende da forma física em geral. Em nenhum momento eles podem perder seu diferencial competitivo. Além disso, se um piloto se machuca por qualquer razão, a recuperação precisa ser a mais tranquila possível, e para isso ocorrer eles precisam estar 100% fisicamente e com boa saúde”.


Um carro da F1 moderna pode acelerar de 0 a 160 km/h e de volta a 0 em menos de cinco segundos. A aderência mecânica e aerodinâmica é tanta que os pilotos vão sofrer cargas laterais de até 6G, ou seja, a força lateral sobre seus corpos (e orgãos internos) será seis vezes maior que o normal.

Os pilotos também suportam temperaturas médias de 50 graus centígrados dentro do cockpit e perdem de dois a três litros de água por meio do suor no decorrer de uma prova. Durante todo o tempo, eles estão fazendo voltas milimetricamente perfeitas, tomando decisões táticas, fazendo ajustes no carro e dando informações à equipe.

Não é difícil ver que uma perfeita forma física é fundamental na F1.
Todos os atletas profissionais requerem um certo grau de forma física, mas como comparar com um piloto de F1? “É muito difícil dizer”, diz Mike. “Os pilotos de F1 estão certamente no grupo de elite da forma física geral, mas se você compara Jenson com um jogador de futebol, então a coisa muda e figura.

Lewis Hamilton

O jogador de futebol provavelmente venceria Jenson em uma arracanda de 30 metros porque é isso que eles devem fazer no esporte, mas o resultado com certeza seria o oposto em uma corrida de longa distância. Enquanto o regime de treinamento de um jogador de futebol de elite foca em energia explosiva, o de Jenson foca especificamente em trabalho de resistência; ele precisa atuar em níveis de pico por duas horas seguidas”.


2001: Button treina na época em que era piloto da Benetton

“Meu trabalho é reconhecer as demandas específicas de treinamento de Jenson”, explica Mike. “Antes de cada temporada, Jenson e eu vamos a um local onde avaliamos todas as áreas de seu sistema muscular e esquelético para obter o nível básico de sua forma física. Isso vai mostrar onde Jenson é forte e onde ele vai ter que dar ênfase extra no treinamento até o fim do ano”.

“Seus músculos do pescoço precisam ser fortes; se não, pode haver dor e essa é a ultima coisa com que Jenson precisa se preocupar nas últimas voltas. Nós também sabemos que, como a maioria das provas é disputada no sentido horário, seu lado esquerdo será mais forte que seu direito, então temos que gastar tempo longe do circuito para corrigir isso.

Embora todo mundo fale sobre o pescoço, ele não é a única área do corpo de um piloto que precisa ser forte. Os músculos da parte inferior da perna, por exemplo, precisam de muita força. Pouca gente pensa sobre a pressão que precisa ser aplicada sobre o pedal de freios para parar um carro correndo a 300 km/h”.

Assim como a força muscular, um piloto necessita de 100% de concentração, tanto no circuito quanto no treinamento, e essa é uma area em que o fisioterapeuta também pode atuar. “Eu ajudo a assegurar que ele pode continuar a fazer seu trabalho tentando eliminar quaisquer distrações”.

Uma dieta cuidadosamente balanceada é fundamental para uma mente e um corpo fortes. Mike se assegura de que o combustível que alimenta Jenson seja tão eficiente quanto o combustível que abastece o carro. Hidratação também é peça-chave o tempo todo.

Álcool, claro, é mantido num nível mínimo, mas Jenson não desconsidera uma eventual taça de vinho. “Ele não toca em álcool desde a segunda-feira antes de cada GP, mas curte um vinho fino e pode tomar uma taça em um jantar entre corridas”.


Embora Jenson possa ser considerado um fanático por exercícios, ele não curte treinar em academias. “Ele prefere estar ao ar livre, especialmente correndo, nadando e pedalando, que é a razão de ele participar de triatlons, que são atividades multidisciplinares perfeitas”.

Jenson e o triatlon: alta performance também fora do carro

Jenson e Mike participam regularmente de minitriatlons, mas já começaram a se inscrever em eventos no Reino Unido, incluindo o Royal Windsor Triathlon em junho de 2008 (na foto acima). Em um tempo de duas horas e 22 minutos, Jenson terminou a prova num impressionante 117º lugar entre 1700 participantes.

Entretanto, a academia também desempenha uma função importante por causa da parte de levantamento de peso do programa de Jenson. Uma sessão de musculação típica de Jenson leva de uma hora a uma hora e 20 minutos e é muito intensa, com muitas repetições e intervalos curtos entre os exercícios.

“Quando estamos lá, é praticamente sem parar”, diz Mike. “Enquanto a maioria das pessoas usa um equipamento e tem dois minutos de intervalo, para um piloto de F1, a ideia é manter um batimento cardíaco elevado durante toda a sessão. É duro, mas eficiente, e acho que os resultados demonstram isso”.

Fonte: www.jensonbutton.com
Edição e tradução: Daniel Gomes

5 comentários:

Daniel Médici disse...

O Fábio Andrade, do De Olho na Fórmula 1, leu meu último post e viu semelhanças entre ele e o seu. Pois bem, vim conferir, e pois é, escrevemos sobre o mesmo assunto.

Incrível como o corpo de um piloto de Fórmula 1 é tão controlado atualmente, e o percurso histórico desse controle é ainda mais interessante.

A título de ilustração, Alan Jones disputou o GP dos EUA-Oeste de 83 pesando mais de 90kg. E hoje, como seu post mostra muito bem, Button tem um programa físico furiosamente específico e personalizado...

Pensar em por que o piloto se transformou de fumante em atleta de elite em tão pouco tempo e quais foram as implicações disso não é uma tarefa fácil. Mas é algo que se deve pensar com cuidado.

DGF disse...

Daniel, antes de mais nada, eu havia postado um comentário no seu post "Sem samba" do GP da Espanha, pois achei simplesmente perfeito. Muito perspicaz de sua parte. Belo texto!

Quanto aos pilotos-atletas, a grande questão que os leva a serem o que são é a absurda profissionalização do esporte, não só a motor, como qualquer outro.

Como tudo no mundo capitalista, o esporte é algo que permite com que o atleta não só seja reconhecido pelo mundo a fora, como também permite que fique rico.

Basta ver a resposta de James Hunt quando o repórter lhe pergunta após ganhar o GP da Inglaterra de 1976: "o que essa vitória significa para você?". Ele responde: "Nove pontos, três mil dólares e muita felicidade".

Veja bem, US$ 3 mil devia até valer bastante naquela época, mas não é nada comparado ao que os pilotos ganham hoje. E a profissionalização exige que o piloto melhore e realmente tente bater os outros com diferenciais além do talento puro.

Ou seja, os pilotos correm por prazer, mas correm por grana. E pra ter a grana, que vem muito em função da mídia, eles precisam agradar a mídia, ser politicamente corretos, andar na linha. Algo como Lewis Hamilton vinha tentando fazer, sem sucesso aliás, até o caso da mentira de Melbourne.

Então eu vejo que a profissionalização é um caminho seguido por eles porque, sem ela, eles não chegam a lugar nenhum. Os grandes campeões, principalmente a partir de Ayrton Senna, são pessoas que têm uma vida regrada, que descontam a diferença que outros possam ter na pista com atitude séria e foco fora dela.

A época romântica da F1 foi muito legal, mas já era. Se surgir hoje um cara que faz tudo do avesso, ele pode até ganhar alguma coisa, mas vai ser expurgado do "sistema" mais rápido do que vai conseguir se estabelecer como uma lenda.

A mídia gosta de noticiar as confusões de "bad boys" como Raikkonen e Montoya, e eles têm sim seu séquito de seguidores e fãs, mas na hora de fechar contrato de exposição, mídia, patrocínio, eles querem o cara que ganha e que é um modelo pra juventude.

Raikkonen era uma promessa, ganhou um campeonato e continua um bom piloto, mas devagarinho sua imagem vai se desgastando e, consequentemente, seu salário também. E tome crítica nas costas do finlandês, vide o episódio do sorvete este ano.

Veja bem, não defendo nenhum ponto de vista específico em relação a isso, mas acho que está muito claro por que motivo o nível dos esportes em geral no mundo subiu tanto nos últimos 20 anos.

Porque é isso que dá grana.

Daniel Médici disse...

Pois é, a profissionalização veio junto com a grana, fato. Mas ela veio tão rápido, e num período de tempo tão específico e delimitado (do fim dos anos 70 a meados dos 80) que causa um certo estranhamento.

Não acredito que caras como Senna e Schumacher tenham corrido só ou principalmente por dinheiro. Eles gostavam da emoção de arriscar suas peles tanto quanto Clark ou Peterson ou Hunt. Por isso mesmo eu penso que a profissionalização não foi um movimento dos pilotos em direção à grana, mas o contrário: antes foi um grande fluxo de capital que entrou na Fórmula 1.

O que me parece digno de atenção é saber por que o dinheiro (logo, a profissionalização) entrou na Fórmula 1 num momento tão bem demarcado, o que motivou esse fluxo de capital e por que ele exigiu, de certa forma, tais mudanças.

Não tenho resposta para isso, apenas algumas hipóteses. Pierre Lévy pode responder de uma forma, Theodor Adorno de outra, quem sabe até encontremos pistas em Foucault ou Flusser, em economistas ou micro-historiadores. Só não consigo achar simples a profissionalização repentina e radical do esporte.

DGF disse...

Daniel, não disse que Schumacher e Senna corriam por dinheiro.

Eu disse que, a partir deles, os pilotos e todos envolvidos começaram, em grande parte, a correr muito em função do dinheiro.

Hoje não existe um talento tão puro e soberano nas pistas como foram Senna, Schumacher e Piquet. Talvez, e isso não é exagerar, o último grande piloto do ponto de vista da intimidade com a mecânica, com o lado romântico da F1, é o próprio Rubens Barrichello.

Essa nova geração de pilotos adora velocidade sim, mas precisam andar na linha o tempo todo, serem corretos, saudáveis, certinhos, no estilo Kaká de ser, para fazerem mais e mais grana.

E o que vai diferenciar o grande piloto de hoje do piloto mais ou menos no longo prazo é seu comprometimento com sua meta, e para isso ele tem que se manter no topo psicologicamente e fisicamente.

Em outras palavras, para ser um campeão hoje em dia, O BÁSICO é ser um atleta de ponta. Esse é o ponto de partida. Sem isso, não adianta ter talento hoje.

Mas apenas fechando o gancho sobre a velocidade da mudança de postura da categoria, eu creio que isso ocorreu em TODOS os esportes. A F1 foi só um reflexo da mudança que já estava ocorrendo vinda principalmente do esporte americano.

Depois disso, o esporte mundial demorou mais de 20 anos para alcancar esse nível competitivo e, mesmo assim, é difícil alcançar o nível americano, como podemos ver nas olimpíadas.

Enfim, uma bela discussão.

Anônimo disse...

Aprendi muito