sexta-feira, 31 de julho de 2009

Schumacher: qual a medida de um campeão?

Quilômetros, toneladas, metros, graus, libras, minutos, quilos, segundos, gramas... todas essas medidas estão presentes na F1 de uma forma ou de outra. Mas, além delas, existem outras que também diferenciam os pilotos entre si.

Obviamente muitas são subjetivas e, por sua própria natureza, imensuráveis. Mas há quem diga que são elas que controlam todas as medidas citadas acima. Como medir talento? Garra? Coragem? Disciplina?

Michael Schumacher, se não é possível aferir suas qualidades subjetivas, só se tornou o que é porque, ao se comparar objetivamente com qualquer piloto, ele é o maior, melhor, e mais rápido.

Mas uma característica reina soberana no passado campeão de Schumacher: a falta de escrúpulos. E é curioso que seus feitos se sobreponham a esta característica, um traço em seu caráter.

Não é à toa que tantas pessoas lhe idolatrem e tantas lhe odeiem na mesma proporção. E com certeza um dos que mais sofreram com esse lado quase sempre bem escondido do alemão foi Rubens Barrichello.

Entretanto, se formos buscar no passado da F1, é possível notar que três dos grandes pilotos da história do esporte não eram necessariamente “bonzinhos”, como Barrichello gostaria que seu nêmesis fosse.

Nelson Piquet, Ayrton Senna e Alain Prost são pilotos que já passaram por situações em que muitos questionaram sua boa fé, sua esportividade, sua conduta, seu decoro. Mas foram todos grandes campeões.

A F1 é um esporte que não se iguala a nenhum outro, um esporte onde política e dinheiro falam muito mais alto que o talento e a disciplina, tanto do piloto quanto da equipe.

É impossível dizer se a F1 seria muito diferente caso nada disso desempenhasse um papel importante em cada treino, em cada prova e em cada campeonato.

Mas é possível dizer que, na F1, para vencer, é necessário maldade, é necessário deixar os escrúpulos no motorhome, é necessário um amplo conhecimento do sistema para vencer.

Foi assim que Piquet, mesmo com tudo contra, conseguiu bater Nigel Mansell. Foi assim que Prost venceu um campeonato e, um ano depois, perdeu outro do mesmo jeito, no típico caso do feitiço que virou contra o feiticeiro.

Foi assim que Schumacher supostamente venceu o campeonato de 1994, com o mesmo Senna criticando a Benetton de Briatore por estar contra as regras. Schumacher aliás, com a mesma maldade, perdeu os de 96 e 97.

Foi assim também que Hamilton venceu em 2008, embora muito se conspirasse a favor da Ferrari e sua gigantesca força política, além, é claro, da brava performance de Felipe Massa, aparentemente alheio ao que ocorria.

Há muitos que rechaçam esse lado da F1, mas ele existe. E Michael Schumacher, muito além de ser um grande piloto, um grande conhecedor da parte técnica da categoria, é um grande manipulador.

Ele soube usar o sistema a seu favor, soube tirar proveito dos momentos em que muitos pilotos seriam pudicos o suficiente para se recolherem. Ninguém põe o nome no panteão da F1 sem passar por algo parecido.

Senna é o maior exemplo disso.

A F1 é um esporte de dominância, de imposição, no qual a hesitação do incauto inocente e inexperiente é capitalizada pelo oportunismo do experiente, do dominante.

De certa forma, se assemelha à vida selvagem, com a famosa “lei do mais forte” ou, em muitos casos, do mais esperto, do mais sábio, do mais vivido.

Para quem acredita no esporte como a mais pura tradução da disputa limpa e honesta entre aqueles que são os melhores em um quesito específico, a F1 é uma grande decepção.

Entretanto, fica a pergunta: será que, se a F1 é assim, os fãs devem de fato idolatrar os campeões que (ultra)passam por cima dos outros sem pensar duas vezes? A qualidade que Schumacher desenvolveu com tanta perfeição é admirável?

Segundo os números, a resposta é sim. Mas e sob outras óticas? Michael Schumacher é tão grande que isso passou a ser apenas uma parte insignificante de suas conquistas?

Não cabe deixar aqui nenhuma resposta definitiva, mas este blog vibrou muito com a perspectiva de ver um piloto como Schumacher num grid de plástico com tantos pilotos politicamente corretos e sem vibração como o de hoje.

Bem-vindo de volta, Michael. Heil, mein Führer!

10 comentários:

Felipão disse...

Daniel. Obrigado pela presença lá no blog. Também já lhe adicionei aos favoritos, inclusive. Quanto ao post, concordo plenamente com tudo que escreveu. Infelizmente, a F1 é muito diferente de qualquer outro esporte ou provas automobilisticas. Com isso, criuou-se uma divisão, daqueles que são pilotos de F1 (onde se enquadram aqueles que não tinham muitas experiência com monoposto ou bastante jovens e foram campeões) ou aqueles que ganharam tudo e, quando chegaram na F1, foram mal. Schumacher, Raikkonen, Pizzonia, ou o próprio Bourdais são exemplos disso.

Anônimo disse...

Belo texto...

O problema com o caráter do Schumacher é que as ações dele sempre me pareceram cínicas, maquiavélicas, deliberadas e sistemáticas.

Eu sempre acho que a comparação com o Senna exagerada — principalmente com aquela colisão deliberada com o Prost no Japão em 90 — por que o Senna não planejava as ações como o Schumacher parecia planejar milimetricamente as suas.

Houve nas ações do Senna um sentimento de revanche e desforra pelo que foi feito a ele no ano anterior. Como o Schumacher a coisa parece fria e preciosamente pensada...

Sim, o Senna era impiedoso com os seus adversários, duro e às vezes excessivamente agressivo no limite da segurança e do regulamento, mas ele não tinha a natureza maquiavélica do Schumacher.

Eu até te diria que jogar Villeneuve e Damon Hill pode ser até considerado acidentes de corrida, mas estacionar uma Ferrari na Rascasse para impedir que o resto do grid faça um tempo melhor que o dele, isso é imperdoável.

E se considerarmos que isso foi feito quando ele já tinha sete título no bolso, todos os recordes quebrados e nada mais a provar a ninguém, então a coisa é pior ainda.

Eu, no entanto, acho que essas falhas de caráter do Schumacher lhe oferecem uma natureza mais humana e menos idealizada e jamais maniqueísta — algo que se pensa de muitos ídolos do esporte ou não.

Ele desce do pedestal e serve de exemplo e nos faz lembrar no fundo ninguém é perfeito, há sempre várias naturezas dentro da gente e que no decorrer de nossas vidas haverá sempre coisas das quais jamais nos orgulharemos. Ele é só humano, como qualquer um de nós...

— Becken Lima

DGF disse...

Becken, obrigado pela contribuição.

É exatamente por ser humano que falei o que falei no último parágrafo do texto.

É claro que alguns pilotos do grid NÃO SÃO politicamente corretos (Raikkonen, anyone?).

Mas a maioria é, embora você perceba claramente que os campeões realmente têm um traço diferente em suas personalidades ou, como dizem os ingleses, eles são "WDC material".

Hamilton por exmeplo é curioso. Percebe-se claramente que dentro do carro ele é uma pessoa e fora ele é outra. Por que ele não é a mesma dentro e fora???

Iria ser muito mais interessante e ele seria um cara muito mais carismático do que já é, além de, é claro, um grande campeão mundial de F1.

Mas vamos ver se Schumi vai mostrar pra essa molecada como se pilota. Porque o que eu mais quero é que o Führer venha com a "faca nos dentes".

Daniel Médici disse...

A título de ilustração, foi uma fechada de Jim Clark que ocasionou a morte de von Trips e mais quinze espectadores, a maior tragédia da Fórmula 1 em todos os tempos.

Na F1 não existem caras bonzinhos, é a vida real, como aqui. Se eu quisesse ver justiça acordaria domingo para ver Ursinhos Carinhosos, não corridas.

Bruno disse...

Posso conhecer todas essas falhas no caráter do Schumacher. Esse é o espírito da Fórmula 1. Além da pista, o fator psicológico de coibir os adversários é altamente necessário. Encaixa exatamente no lema da vida selvagem, que citou.

Não estou no time dos que não gostam do alemão. Entendo perfeitamente seu jogo. Sinto inclusive falta de seu estilo. Por isso mantenho tanta ansiedade pela prova em Valência. Acho que um sentimento compartilhado por muitos.
Abraço.

Pitão disse...

Não existe vitória ruim e não existe gol feio, não existe... não adianta.

Já fui extremamente contra o Schmacher, mas depois de um tempo entendi o espírito do cara e comecei o apreciar.

Automobilismo é isso, andar na frente nem que para isso algumas coisas tenham que ser "distorcidas". Se alguém aqui teve a oportunidade de ver o filma "talladega nights" é só lembrar a frase do pai do Billy Bob "se você não é o primeiro, você é o último".

E viva o Piquet, viva o Dale Earnhardt!

Automobilismo não pode ser feito por pessoas certinhas, tem que ter uma quantidade boa de "sangue nos olhos".

Marcelonso disse...

Compartilho do ponto de vista do Felipe,aprendi a admirar o alemão.

Além disso bonzinho,bonzinho no automolismo não se cria.

abraço

Ridson de Araújo disse...

Schumacher é o tipo de cara que eu admiraria muito enfrentar, pq isso dá uma real noção na carga de adrenalina que é jogado sobre vc, o peso que ele tem...e dificilmente gostaria de tê-lo como companheiro de equipe. Acho que o Massa teve muita sorte de tê-lo como companheiro no final da carreira do alemão, e sabendo muito bem onde se meter (e onde não).

Concordo com o Becken...o maniqueísmo não cabe na F1. Bons e maus são categorias que se aplica para fora da categora, para fora do automobilismo, embora acredite que caiba amizade, lealdade e solidariedade. Até no dia -a- dia, na vida, o maniqueísmo só vem a nos ofuscar o bom-senso.

Dizem que Schumacher é um grande sujeito fora "do ringue"...mais família, mais amigo, mais engraçado...mas lá...ele é o bicho. Aguardando ansiosamente por Valência, embora não ache que um só piloto mude o tom plástico que a F1 já tinha (com ele).

ei..aproveita e confere lá no Historias e Velocidade, um post do Jobson sobre o chefão da STR, o Franz Tost.
http://historiasevelocidade.blogspot.com/2009/08/uma-opiniao-franz-tost.html

Willian disse...

Belo texto para reflexão.

Muitas perguntas surgem a partir dele. A maioria delas vai ficar para sempre sem resposta:

- Schumacher seria esse "multicampeão" se tivesse jogado limpo sempre?
- Barrichello teria tido mais sorte na carreira se ganhasse condições de igualdade na Ferrari?

Outra pergunta que eu me faço é "como Schumacher teria se saído se realmente tivesse voltado à F1?"

Eu não acredito que seria o mesmo de antes. Simplesmente porque não ele não existe mais. Hoje, aquela equipe de Todt já acabou. O Rei perdeu a majestade.

Dentro da igualdade, Schumacher é um piloto com talento. Mas um piloto "sobrenatural", embora tenha parecido isso durante a carreira dele.

Hoje, eu vejo um futuro perigoso para a F1: temo que aconteça o mesmo com Alonso na Ferrari. Mas torço para que a história seja diferente.

Será mesmo que a trapaça deve triunfar no esporte? Até que ponto vale à pena vencer dessa maneira?

Essas são outras perguntas quase sem respostas. Embora eu tenha a minha...

E ela diz que Barrichello é tão campeão quanto Schumacher. Ao contrário do alemão, ele sempre jogou limpo.

DGF disse...

Willian, a resposta a essas perguntas sempre serão baseadas no achômetro, mas vamos lá:

Schumacher seria multicampeão sim, mas não hepta.

Rubinho talvez tivesse uma disputa mais acirrada com Schumacher se tivesse liberdade... teria aí umas 15 vitórias ou um pouco mais, a exemplo de Coulthard e Hakkinen, mas ser campeão com o mesmo carro, não acredito.

Talvez ele tivesse ânimo pra continuar na Ferrari após a saída do Michael, se não tivesse rusgas com a equipe, e pudesse disputar um campeonato com os outros pilotos "normais" em 2007. Quem garante que ele não estaria no lugar de Raikkonen em 2007? Vai saber...

Quanto ao Schumi de volta, sou capaz de apostar que ele iria mal, muito mal. Não tanto quanto Badoer, mas ruim o suficiente para passar vergonha.

Caramba, basta ver FIsichella em último nas tabelas de tempo com a Ferrari, e isso sendo piloto ativo e muito rápido.

Schumacher ia comer poeira, é a minha avaliação.

Rubinho jogou limpo sim, mas jogando limpo ele não conseguia ser melhor que os vice-campeões da época de Ferrari em seis anos de Scuderia Rossa.

Quanto ao Schumacher x Alonso na Ferrari, vou fazer um post sobre isso em breve.

Abraços!