segunda-feira, 8 de novembro de 2010

GP do Brasil: análise do discurso

Na comunicação social, um dos objetos de estudo mais discutidos e relevantes é o discurso. Mas não, não é aquele texto que as pessoas preparam para anunciar algo, agradecer, tomar posse, etc, etc, etc. O discurso, na comunicação, é o que se quer dizer quando se passa uma mensagem. Em outras palavras, é o que está nas entrelinhas.

Portanto, quando se analisa um discurso, se atribui um significado à mensagem que ultrapassa aquele das palavras que a compôem. Ou seja, é uma radiografia que revela a intenção, o viés, a agenda política de quem profere aquelas palavras.

E, não por acaso, a F1 está coalhada de discursos. Desde pilotos até mecânicos, passando por chefes de equipe, jornalistas, donos e, claro, os fãs. O discurso dos fãs é quase sempre doentio e unilateral. Não permite o contraditório e, portanto, não toca a realidade como deveria.

Passado o GP do Brasil que, fora um tal de Hulkenberg e um tal de Liuzzi, nada apresentou de extraordinário, diferentemente de outros anos, é curioso perceber o que se esconde por trás das palavras proferidas por cada um que se presta a falar sobre a F1.

Vários textos e depoimentos afirmam com certa veemência que a Red Bull deveria dar prioridade a Mark Webber, sem dúvida o mais próximo dos seus dois pilotos a levar o título. Alguns citam vingança contra a Ferrari. Outros dizem simplesmente que é estupidez não dar prioridade a essa altura do campeonato.

Isso nada mais é do que uma demonstração clara de como quem fala sobre F1 tem dois pesos e duas medidas. Mas aí não é só uma questão simples de ajudar ou não um piloto em detrimento de outro. Nesse caso específico, são três os pilotos envolvidos: Sebastian Vettel, Mark Webber e Fernando Alonso.


"OK, mas e daí?", você, leitor, pergunta.

E daí que, no Brasil, por exemplo, existe toda uma revolta velada (ou não) contra Felipe Massa ter dado passagem a Alonso em Hockenheim. Mas mais do que isso, existe uma raiva de Fernando Alonso, assim como sempre existiu de Michael Schumacher. Pilotos que sistematicamente arrebentaram seus companheiros de equipe. Veja bem... esses companheiros são brasileiros. Não existe coincidência neste caso. Existe a realidade.

No caso de Webber e Vettel, o público em geral parece de fato guardar uma antipatia do alemãozinho e, mais do que nunca em 2010, uma grande empatia com o canguru Webber por motivos bem expostos aqui pelo Splash-and-go.

Então o discurso reinante é de que a Red Bull colocou seus pilotos em uma posição difícil e se prejudicou no processo... que deveriam ter priorizado Webber no GP do Brasil que, então, dependeria exclusivamente de sua vitória.


No entanto, basta colocar Vettel no lugar de Webber na tabela atual que o discurso mudaria radicalmente. "A Red Bull deveria deixar seus dois pilotos livres para competir em Abu Dhabi. É um absurdo a RBR dar prioridade a Vettel quando Mark Webber pode vencer o campeonato na última corrida com uma simples falha no carro do companheiro..."

O discurso é devidamente empenado de acordo com quem o profere, da maneira que lhe convier e no momento em que lhe for apropriado. Fernando Alonso está próximo de vencer um campeonato histórico na Ferrari, sendo seu terceiro na F1.

Alonso foi um grande cavalheiro com Felipe Massa em 2010

O piloto espanhol se recuperou de forma brilhante na segunda etapa do campeonato, foi paciente com Massa no início, dando-lhe a chance de se defender, de se manter na frente em mais de uma corrida e, com isso, perdendo potntos importantes.

Mas hoje, quem depende apenas de si para vencer o campeonato é o asturiano. Massa foi massacrado, dizimado, humilhado. Não resta muito do vice-campeão de 2008 em 2010. Fernando Alonso foi soberano e hoje demonstra ser definitivamente o piloto mais completo, versátil e tenaz da F1 desde Michael Schumacher.

Um piloto não pode merecer um ponto, uma vitória ou um campeonato por ser ou não carismático, mas sim por ser o melhor. Vettel tem grandes chances de ter jogado fora sua segunda oportunidade de ter levado o título, um pouco por sua causa, um pouco por causa de seu equipamento.

Webber, o franco atirador, ganhou a simpatia de todos e também correspondeu com pilotagens dignas de um grande campeão, mas sua inconstância, assim como a de seu companheiro, o coloca numa situação dependente do terceiro oponente nesta briga triangular...

...que é Fernando Alonso. O espanhol não pode ter o título tirado de si porque seu companheiro foi obrigado a deixá-lo passar. Alonso passaria Massa em todas as oportunidades que teve.

A questão é se Massa deixaria passar sem levar a equipe a correr riscos. Então, para não correr riscos, a Ferrari mandou o brasileiro encostar... mas reste-se confirmado de que Alonso passaria de qualquer maneira, porque é o melhor piloto (e muito mais rápido, diga-se de passagem).


Desta forma, com o filtro dos discursos devidamente acionado nós concluímos que:
  • do ponto de vista da Red Bull, após o escândalo da Ferrari em julho, o melhor é deixar que os dois pilotos se digladiem na pista; do ponto de vista de Vettel, o melhor que a Red Bull faz é deixá-los brigarem para que o alemão ainda tenha uma chance;
  • do ponto de vista de Webber, a RBR deveria lhe dar prioridade, pois suas chances serão exponencialmente maiores com Vettel seu escudeiro;
  • do ponto de vista de Alonso, a ajuda de Massa nada mais foi do que uma decisão lógica e focada no campeonato, o que lhe rende frutos mais do que vistosos na última corrida do campeonato;
  • do ponto de vista da Ferrari, estava claro que Massa estava em má fase e não se recuperaria, o que de fato não ocorreu, ainda qe a decisão de lhe mandar abrir possa ter abalado sua confiança.
Repare como existem muitos interesses de quem inclusive gera discursos que serão absorvidos e refletidos em novos discursos na mídia, entre os fãs e outras personalidades relacionadas ao esporte.

É muito difícil concatenar tudo para alcançar um denominador comum, mas é importante saber dessa relação de forças que se dá por trás de cada palavra solta no ar, impressa no papel ou projetada na tela do computador.

Dito tudo isso, e você, qual seu ponto de vista sobre o assunto?

4 comentários:

Bruno Aleixo disse...

Daniel, o Felipe Massa perdeu prestígio na Ferrari por conta de seu fraco desempenho este ano, enquanto Alonso chegou esbanjando confiança, vencendo corridas e adotando, desde o início, um discurso de que seria campeão contra todos os prognósticos.

A ordem de equipe na Alemanha é apenas um reflexo da confiança que a Ferrari deposita em cada um de seus pilotos. E quando Massa obedece esta ordem está apenas assinando embaixo sua condição de segundo piloto.

Para mim a única solução para que Felipe dê prosseguimento à sua carreira de forma digna é deixando a Ferrari o quanto antes.

alexgontijo disse...

Fala pessoal, sinceramente apesar da Red Bull estar privilegiando a briga limpa entre os pilotos, não tenho certeza que eles fariam dessa forma se fosse o Vettel quem estivesse em vantagem. É outro ponto de vista a pensar: a Red Bull deixa claro que tem preferência pelo Vettel ao não dar preferência ao Webber que tem muito mais chance de levar o caneco. Veremos até quando vai durar isso, se na largada, 1o pit stop ou nunca.
Abraços, AleX

Anônimo disse...

Muito bom, Daniel. Estou cada vez mais impressionada em como as pessoas confiam no discurso, na forma, e não ligam para o conteúdo, para as ações. E vários, jornalistas, inclusive, vão na onda do "jogo limpo" da Red Bull e contra os fatos...
Julianne

DGF disse...

Bruno, com certeza Massa está bem pequeno dentro da equipe hoje. Entretanto, dizer que ele tem de sair de lá é uma coisa difícil de fazer. Como Rubens, creio ser fácil falar de fora. É claro que ele deve querer se manter na melhor equipe da categoria e, lá dentro, reconstruir seu espaço.

Acontece que, com Alonso, vai ser uma tarefa inglória. A situação de Massa é quase igual à de Rubens, com a diferença de que Massa tem um pouco mais de crédito por ter batido Kimi em 2008 e ter sido vice-campeão com muita propriedade.

Alex, essa que é a pegadinha da RBR... é ÓBVIO que eles não fariam a mesma coisa. Caso venca o campeonato, Webber vai deixar os touros da RBR corados... de vergonha!

Juli, o discurso é direcionado sempre, mas assimila quem quer. Acho que existe hipocrisia em grande parte dos fãs também, o que deixa a coisa toda ainda mais triste.

O Bruno Aleixo aí em cima citou no blog dele que no GP do Brasil uma torcida organizada da Ferrari trocou a bandeira que ela usava da equipe vermelha por uma da RBR... tudo por causa de Hockenheim-10!!! Santa inocência...