segunda-feira, 24 de agosto de 2009

GP da Europa: Barrichello à la Schumacher

A maior crítica em relação à F1 moderna advém da falta de ultrapassagens na pista, sendo elas o que, segundo uma vertente de admiradores do esporte a motor, define o automobilismo.

De fato, visualmente as ultrapassagens são algo sensacional de se ver e de se sentir. Mas num esporte em que as margens são cada vez mais ínfimas, é válido analisar, interpretar e admirar os detalhes que os olhos não podem ver.

No domingo, o Grande Prêmio da Europa de F1, abrigado pela nova pista de Valência, na Espanha, assistiu a uma das performances mais cerebrais e precisas que um piloto deu nos últimos 10 anos.

Rubens Barrichello foi muito além da costumeira performance precisa de seu companheiro Jenson Button, que lhe rendeu valiosas vitórias e pontos na primeira metade do campeonato.

O piloto brasileiro foi de uma regularidade assustadora, quase irreal para os seus próprios padrões, tantas vezes responsáveis por suas derrotas dentro da pista.

Não, o pit-stop errado da McLaren não rendeu a vitória a Rubens, como ocorreu com Kovalainen na Hungria em 2008, quando Massa abandonou. Heikki jamais venceria aquela corrida se a Ferrari apenas errasse o pit-stop de Massa.

Já Rubens estava lá na hora e lugar certos. Schumacher deve ter ficado orgulhoso de seu ex-companheiro, atual desafeto. O grande campeão que se preze não é só soberano, absoluto, dentro da pista. Ele também é oportunista.

A corrida de Valência em tudo lembrou a Ferrari dominante da primeira metade da década. A diferença é que o carro era branco e o piloto era Barrichello, e não Schumi.

A precisão foi tamanha que Barrichello, antes de seu primeiro pit-stop, melhorou seu tempo consistentemente a partir da terceira volta da prova, mesmo atrás da McLaren de Kova.

Na tabela abaixo, estão marcadas em quadros as voltas em que Barrichello girou no mesmo décimo de segundo consecutivamente ou muito próximo disso.

Também estão marcados as sequencias de tempos em que ele constantemente melhorou suas voltas (praticamente a corrida toda).

Após a primeira parada, a história se repetiu e Rubens só girou mais lento no momento em que pegou o primeiro retardatário, precisamente Luca Badoer, na volta 35.

Mesmo assim, como um relógio, o brasileiro na volta seguinte já virou um décimo mais rápido que na volta anterior ao seu encontro com o ferrarista.

E continuou melhorando seu tempo, quando seu engenheiro, Jock Clear, gritou no rádio: "That's it Rubens! Hamilton is in! Give me five qualifying laps! FIVE QUALIFYING LAPS!!!". E assim Rubens fez, marcando inclusive sua melhor volta na corrida e a melhor da prova àquela altura.

No total, o brasileiro tirou quase 10 segundos de Hamilton, contanto o erro de pit-stop do inglês e o excelente trabalho da equipe Brawn GP nos boxes.

É por isso que muitos defendem a hipótese de que Barrichello voltaria à frente de Hamilton de qualquer jeito, principalmente se tivesse ficado mais uma ou duas voltas na pista, como deveria ter ocorrido.

Os 10 segundos que Barrichello tirou de Lewis eram mais do que suficientes pra compensar o erro do pit-stop da McLaren (total de 5,5 segundos de perda) e a diferença de ambos antes da parada do atual campeão (3,6 segundos).

Para provar de uma vez por todas que seu carro estava irretocável, Barrichello correu um terceiro stint rigorosamente preciso como os dois primeiros melhorando seu tempo a cada volta, mas já mantendo uma velocidade de cruzeiro.

Hamilton acabou marcando sua melhor volta da corrida no último giro, mas a vitória não mais escaparia das mãos de Rubens Barrichello, merecidamente.

Pode-se dizer que os grandes campeões fazem o que Rubens fez com a diferença de tornarem isso um hábito corrida a corrida, mas é fato que a maioria dos pilotos jamais conseguiu manter um ritmo alucinante como esse durante uma corrida inteira no decorrer de suas carreiras. Poucos fazem isso com tanta autoridade quanto Rubens fez em Valência.

É difícil dizer que ele pode repetir a dose.
É difícil dizer se poderá realmente fazer frente a Button no fim do campeonato.

Mas essa vitória, além de todas as efemérides relacionadas, demonstra que, aos 37 anos, não é qualquer piloto que encontra força e concentração o suficiente, principalmente em uma situação adversa, para entregar uma performance arrebatadora como essa.


Não houve ultrapassagens, não houve brigas na pista, não houve manobras ousadas, mas reste-se registrada neste blog a corrida mais perfeita já feita por Rubens Gonçalves Barrichello.

Apenas quem olha além da pista vai poder apreciar tal feito e sabemos que poucos estão interessados em fazê-lo, mas a F1 moderna é feita disso e é isso que deve ser destacado e imortalizado.

Parabéns Rubens.

4 comentários:

Ridson de Araújo disse...

Preciso. Esta é a palavra que definiu o seu post, o que penso dele, e o fator que deu a vitória a Rubens Barrichello.

Para além deste ponto, queria destacar um mais para curiosidade do que argumento, pois está muito na base do "se":

Se Nakajima não tivesse tido problemas com o pneu e estourado-o, Rubens ainda tinha entre 2 e 3 voltas mais rápidas para descontar a vantagem de Hamilton, e pelo visto conseguiria. Entretanto, com o erro da Maclaren e o medo de um safety car que seria desastroso sob todos os aspectos, a equipe chamou-o pro box e fez sua parte. E deu certo. No fim, ele administrou a vitória.

Para o restante do campeonato,sem cair na presunção, numa mistura de esperança e pruência, vou pela feliz fórmula sugerida por Reginaldo Leme: mantendo a consistÊncia de conseguir bons resultados perto do topo , arriscando mais uma vitória aqui ou acolá, Rubens terá conseguido provar que, mesmo sem conseguir no fim o título, que ele teria sim nível para isso.

E é algo que seria ótimo tanto para mostrar aos outros seu potencial se quiser ficar, e se manter na categoria, como provar para si próprio se quiser deixar a categoria.

E francamente, essa vitória valeu pela temporada inteira! Parabéns para ele.

Daniel Médici disse...

A estratégia e a regularidade sempre foram componentes do automobilismo - Fangio ganhou o GP da Espanha de 51 dessa forma. O problema da F1 atual é ela ter sido sufocada por esse componente, e vários outros passaram a ser desprezados. Por exemplo, aquele que Carlo Ginzburg, num dos textos mais geniais do século XX (na minha modesta opinião) chama de paradigma conjectural.

Barrichello fez mesmo um grande trabalho. E, como você muito bem apontou, se pareceu muito com o trabalho da Ferrari na primeira metade dos anos 2000. Não à toa, o carro do Rubinho se chama "Brawn"...

PS: O texto do Ginzburg é "Chaves do Mistério"

Felipão disse...

Daniel...

seu comentário foi preciso e bastante claro. Estou cada vez mais convencido que ele realmente chegaria lá, independente do erro da McLaren. À altura das performances da Ferrari de Brawn, Barrica...

Ridson de Araújo disse...

Boa lembrança do Ginzburg. Ele é um brilhante historiador. E analisa bem como certos fatores culturalmente são circulados se sobrepondo aos outros. No caso, esquecer o valor da precisão em detrimento da agressividade do piloto na ultrapassagem, e vice-versa, quando é conveniente. As idéias circulam e coexistem, mas nós é que a usamos de acordo com nossos interesses. Ginzburg foi afiado nessa reflexão.